A ascensão das apostas online no Brasil atinge níveis alarmantes: 23 milhões de brasileiros (15% da população adulta) realizaram pelo menos uma aposta em 2024, superando o número de investidores em CDBs, fundos imobiliários e ações combinados. Entre esses, 4 milhões tratam as bets como estratégia de investimento, enquanto 47% estão com dívidas em atraso. O novo Índice de Tendência ao Vício da ANBIMA revela que 10% dos apostadores (3 milhões) gastam em média R$683,64 mensais – três vezes acima da média geral – e apresentam alto risco de compulsão. Este artigo desdobra como um fenômeno cultural transformou-se em crise financeira pessoal para milhões de brasileiros.

A expansão das bets: do entretenimento à distorção financeira
O perfil do apostador brasileiro
A pesquisa da ANBIMA desmistifica estereótipos: 62% dos apostadores são homens, mas a participação feminina saltou de 9% para 23% desde 2023. A classe C lidera com 17% de adeptos, desbancando a crença de que as bets são predominantemente das classes D/E. Entre os millennials (29-43 anos), 35% apostam semanalmente, enquanto 21% da geração Z (16-28 anos) já experimentaram plataformas de apostas antes dos 18 anos.
A convergência tecnológica explica parte do crescimento: 78% das transações ocorrem via PIX, com picos de atividade entre 20h e 23h via smartphones. O Banco Central estima que o volume mensal atingiu R$30 bilhões em abril de 2025, equivalente a 0,3% do PIB nacional.
A distorção de percepção ou auto-enganação: quando aposta vira “investimento”
Os 4 milhões que enxergam bets como investimento apresentam características preocupantes: 51% estão inadimplentes (vs. 33% da média populacional) e 68% já usaram empréstimos consignados para financiar apostas. A ANBIMA identificou três narrativas predominantes nesse grupo:
- Ilusão de controle: 54% acreditam dominar “sistemas infalíveis” baseados em estatísticas esportivas
- Normalização do risco: 47% consideram perdas financeiras “parte do processo de aprendizado”
- Desconexão temporal: 62% projetam ganhos futuros para quitar dívidas presentes
Essa distorção tem base neuroquímica: estudos do Instituto D’Or mostram que vitórias ocasionais em apostas liberam 142% mais dopamina que ganhos em investimentos tradicionais, criando dependência comportamental.
A espiral do endividamento: quando o lazer vira passivo
Mecanismos da crise financeira
A relação entre apostas e inadimplência é bidirecional:
- 72% dos apostadores com dívidas usaram crédito rotativo para apostar
- 55% tomaram empréstimos informais com taxas médias de 25% ao mês
- 38% comprometem mais de 40% da renda com apostas
O Banco Central revela que instituições financeiras já incorporam o histórico de apostas na análise de crédito, elevando taxas para apostadores frequentes em até 18%. Em 2024, o Serasa registrou 1,2 milhão de processos judiciais relacionados a dívidas de bets – 23% do total de ações de cobrança.
O custo escondido das “vitórias”
Mesmo entre os 12% que declaram lucro nas apostas, a análise é enganosa:
- 61% reinvestem ganhos em novas apostas
- 47% não declaram rendimentos à Receita Federal
- 29% sofrem penalidades por irregularidades fiscais
O caso de São Paulo é emblemático: a Defensoria Pública estadual atendeu 4.320 casos de superendividamento por apostas em 2024, com dívidas médias de R$38,700 – 14 vezes a renda média mensal dos afetados.
Regulamentação e mitigação de riscos
O novo marco legal de 2025
A Lei 14.790/24 estabeleceu medidas protetivas:
- Identificação Biométrica: Reconhecimento facial obrigatório para cadastro
- Limites Financeiros: Teto de 15% da renda comprovada para depósitos mensais
- Pausas Obrigatórias: Bloqueios automáticos após 3 horas contínuas de uso
- Proibição de Crédito: Casas de aposta não podem oferecer empréstimos
Desde janeiro de 2025, 81 operadoras receberam licenças definitivas, vinculadas à manutenção de fundos garantidores de R$50 milhões cada. A Receita Federal já arrecadou R$2,3 bilhões em impostos sobre prêmios no primeiro quadrimestre.
Estratégias de recuperação financeira
Bancos e fintechs desenvolveram ferramentas específicas:
- Modo recovery: Bloqueio temporário de transações em sites de apostas
- Reestruturação de dívidas: Planos com parcelas vinculadas à abstinência
- Mentoria digital: IA que analisa padrões de gastos e sugere intervenções
A experiência do Banco do Brasil revela que usuários do “Modo Recovery” reduziram dívidas em 43% após seis meses, comparado a 12% em programas convencionais.
Repensando a cultura financeira na era digital
O fenômeno das bets expõe uma lacuna educacional: 68% dos apostadores nunca receberam orientação sobre probabilidade básica, e 79% desconhecem conceitos como “valor esperado negativo”. A solução demanda integração entre políticas públicas (como a disciplina obrigatória de educação financeira nas escolas a partir de 2026), inovações regulatórias e conscientização midiática.
Enquanto o mercado de apostas legalizado movimenta R$360 bilhões/ano, o desafio é transformar parte desse fluxo em investimentos produtivos. Experiências como o programa “Aposta Certa” da Caixa Econômica Federal, que converte 5% dos depósitos em bets em aplicações automáticas em CDB, mostram caminhos promissores: em quatro meses, R$127 milhões foram redirecionados para investimentos de renda fixa.
O Brasil encontra-se num divisor de águas: poderá ser caso de sucesso na regulação de apostas ou exemplo dos riscos da financeirização do lazer. A resposta dependerá da capacidade de articular dados, educação e inovação tecnológica em prol da saúde financeira nacional.
Fontes e referências:
ANBIMA/Datafolha, Raio X do Investidor Brasileiro 8ª Edição, janeiro de 2025
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