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Navegando em águas turbulentas: Banco Central e a cautela na era da incerteza global

Em um cenário econômico repleto de desafios, o Banco Central do Brasil (BC) tem adotado uma postura de extrema cautela em suas comunicações e decisões, mantendo vigilância constante sobre os indicadores econômicos nacionais e internacionais. A persistência da inflação de serviços acima da meta, combinada com um ambiente externo cada vez mais desafiador, tem levado a autoridade monetária a sinalizar que o futuro da taxa Selic dependerá fortemente dos próximos indicadores. Para investidores, compreender esse contexto é fundamental para tomar decisões mais acertadas em um momento de tantas incertezas.

Dados recentes mostram que a inflação acumula alta de 5,49% em 12 meses, segundo o IPCA-15 de abril de 2025, permanecendo acima do teto da meta de 4,5% perseguida pelo Banco Central. Enquanto isso, o relatório Focus mais recente manteve a projeção da taxa Selic em 15% para o final de 2025, sugerindo um cenário de juros elevados para controlar as pressões inflacionárias. O que esses números significam para o brasileiro comum e para os investidores? E como navegar nesse ambiente econômico complexo?

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A persistência da inflação de serviços: o calcanhar de Aquiles da economia

A inflação de serviços tem se mostrado um dos maiores desafios para a política monetária brasileira. Dados divulgados pelo IBGE em março de 2025 revelaram que, na média móvel trimestral anualizada e dessazonalizada, os serviços apresentam uma alta de 6%, enquanto os serviços subjacentes chegam a alarmantes 8,5% – muito acima da meta de inflação de 4,5%.

Esse comportamento persistente está intrinsecamente ligado a dois fatores principais: a resiliência da atividade econômica brasileira e um mercado de trabalho aquecido. Como explicou a economista Laiz Carvalho, do BNP Paribas, em janeiro deste ano: “É uma preocupação nossa, do BC e do mercado como um todo. Isso é relacionado não só com o nível da atividade, mas com o nível de renda que permanece alto. Mostra que a economia ainda está muito aquecida, o que é ruim para a inflação”.

O comportamento da inflação de serviços funciona como um termômetro para as pressões de demanda na economia. Quando as pessoas têm mais dinheiro para gastar e o desemprego está baixo, a demanda por serviços aumenta, pressionando os preços para cima. Fernando Gonçalves, gerente do Sistema de Índices de Preços do IBGE, enfatizou em março que “a desocupação vem diminuindo, aumentou a população ocupada, aumentou a massa salarial. Isso tudo traz um consumo maior. Isso pode estar se refletindo nos preços dos serviços”.

Esta é uma das principais razões pelas quais o Banco Central tem se mostrado cauteloso em suas decisões. Uma economia aquecida com inflação de serviços elevada requer uma política monetária mais restritiva para evitar um descontrole nos preços. O economista Caio Megale, da XP Investimentos, comentou em entrevista à CNN Brasil em março que “o cenário para inflação de curto prazo ainda continua desafiador”, mesmo com “alguns sinais de desaceleração da atividade econômica que podem ajudar o trabalho do Banco Central lá na frente”.

A autoridade monetária também enfrentará o desafio de equilibrar o controle da inflação com as pressões políticas. Historicamente, há tensões entre o governo e o BC quando os juros permanecem elevados por períodos prolongados. Em fevereiro de 2024, o Partido dos Trabalhadores (PT) retomou a pressão sobre a política de juros, com a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, afirmando que “manter o ritmo conta-gotas na redução da Selic é seguir submetendo país a uma das maiores taxas de juro real do planeta”.

O cenário internacional e seus reflexos na política monetária brasileira

O ambiente externo tem se mostrado cada vez menos favorável para economias emergentes como o Brasil. Segundo uma pesquisa realizada pelo Banco Central, 59% dos agentes econômicos consultados consideraram que o cenário internacional piorou entre dezembro e janeiro. Este percentual significativo reflete a crescente preocupação com as incertezas globais e seus potenciais impactos na economia brasileira.

Um dos principais fatores que têm contribuído para essa percepção negativa é a política comercial do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em abril de 2025, o FMI citou em seu relatório as medidas tarifárias implementadas por Trump e as contramedidas de diversos países como “um importante choque negativo ao crescimento”. O Brasil não ficou imune a essas medidas, recebendo a tarifa padrão norte-americana de 10%, o que certamente afetará as exportações brasileiras e, consequentemente, o crescimento econômico.

De fato, o FMI reduziu as projeções de crescimento do Brasil para 2% em 2025 e também em 2026, um corte de 0,2 ponto percentual para ambos os anos em comparação com as estimativas divulgadas em janeiro. Esses números são mais pessimistas do que os do governo brasileiro, cujo Ministério da Fazenda projetou em março crescimento de 2,3% para 2025 e 2,5% para 2026.

A incerteza no cenário internacional também afeta diretamente o câmbio, que por sua vez impacta a inflação. Uma depreciação do real frente ao dólar tende a aumentar os preços de produtos importados e commodities cotadas internacionalmente, pressionando ainda mais a inflação doméstica.

Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do Banco Central, destacou em agosto de 2024 que “um cenário de maior incerteza global e de movimentos cambiais mais abruptos exige maior cautela na condução da política monetária doméstica”. Essa visão continua predominante na diretoria do BC, especialmente considerando que os Estados Unidos, sob a gestão de Trump, podem adotar uma postura menos previsível em relação à sua própria política monetária.

O Federal Reserve (Fed), banco central americano, tem sinalizado uma desaceleração no ritmo de cortes de juros. Segundo análise do Goldman Sachs de dezembro de 2024, “autoridades do Fed têm manifestado a necessidade de uma abordagem mais cautelosa, não apenas devido à inflação persistente, mas também à incerteza sobre as políticas da nova administração de Trump”. Essa postura mais conservadora do Fed certamente influencia as decisões do Banco Central brasileiro, que precisa considerar o diferencial de juros entre os dois países para evitar fugas de capital e maior depreciação do real.

Perspectivas para a taxa Selic e o impacto nos investimentos

O cenário atual aponta para uma taxa Selic em patamares elevados nos próximos anos. O Boletim Focus do Banco Central, que compila as projeções de analistas do mercado, tem mantido a previsão da Selic em 15% para o final de 2025 pela 13ª semana consecutiva, conforme divulgado em abril. Isso sugere que os juros terão de subir 0,75 ponto percentual acima do nível atual de 14,25%.

Alguns bancos são ainda mais pessimistas em suas projeções. O Itaú, por exemplo, elevou sua projeção para a Selic no fim de 2025 de 15% para 15,75%, citando a desancoragem adicional das expectativas de inflação e maior deterioração do real nos últimos meses. O banco também alertou que “caso haja nova rodada de depreciação da moeda e/ou deterioração adicional das expectativas, não é possível descartar uma extensão do ciclo e eventualmente, uma postergação dos cortes em 2026”.

É importante compreender que essas projeções indicam que a Selic pode atingir o maior nível desde maio de 2006, durante o primeiro governo Lula, quando o Copom reduziu a taxa de 15,25% para 14,75%. Naquela época, os juros estavam em queda depois de terem atingido 19,75% em maio de 2005, um dos maiores patamares do século 21.

Para 2026, a mediana das projeções do Focus aponta para uma Selic de 12,50%, mantendo-se estável pela décima semana consecutiva. Já para 2027, a estimativa intermediária permanece em 10,50%, e para 2028, em 10,00%.

Vejamos como essas projeções se comparam com as expectativas de inflação:

AnoProjeção Selic (Focus)Projeção IPCA (Focus)Juro Real Estimado
202515,00%5,08%9,92%
202612,50%4,10%8,40%
202710,50%~3,70%*6,80%
202810,00%~3,50%*6,50%

*Valores aproximados baseados nas tendências recentes de projeções

Com a taxa Selic elevada, os investimentos em renda fixa continuam sendo atrativos, especialmente para investidores com perfil mais conservador. Títulos públicos indexados à Selic, como o Tesouro Selic, CDBs com liquidez diária e fundos DI devem continuar oferecendo rentabilidade interessante, com baixo risco e alta liquidez.

Por outro lado, investimentos em renda variável podem enfrentar desafios. Taxas de juros elevadas tendem a reduzir a atratividade de ações, pois aumentam o custo de oportunidade de se investir no mercado acionário. Além disso, juros altos encarecem o crédito para empresas, potencialmente reduzindo seus lucros e, consequentemente, o valor de suas ações.

Para investidores com horizonte de longo prazo, essa pode ser uma oportunidade para construir posições em empresas sólidas a preços mais atrativos. Como historicamente observado, períodos de juros altos eventualmente são seguidos por ciclos de queda, que costumam beneficiar significativamente o mercado de ações.

O Futuro da política monetária: navegando com cautela

O Banco Central do Brasil tem sido consistente em sua mensagem de cautela. Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária, resumiu essa postura afirmando que “a função do Banco Central é ser mais cauteloso em função desses dados que podem estar sinalizando uma economia que me parece estar em um estágio distinto da economia norte-americana”.

O comunicado do último Copom sinalizou que, para além da próxima reunião em maio (onde já se espera um aumento menor que 1 ponto percentual na Selic), a “magnitude total do ciclo será ditada pelo seu firme compromisso de convergência da inflação” e dependerá da evolução do cenário. Isso indica que o BC quer reunir o máximo de informações possíveis antes de definir os próximos passos.

Vale ressaltar que o G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, do qual o Brasil faz parte, reafirmou em sua declaração de novembro de 2024 o compromisso com a independência dos bancos centrais. Essa independência é fundamental para que as decisões de política monetária sejam tomadas com base em critérios técnicos, visando a estabilidade econômica de longo prazo, mesmo que isso signifique adotar medidas impopulares no curto prazo.

Para os investidores, o momento exige um monitoramento constante dos indicadores econômicos e uma estratégia de diversificação prudente. Considerar diferentes cenários para a taxa Selic e seus impactos em cada classe de ativos é essencial para navegar nesse ambiente de incertezas. Acima de tudo, manter uma visão de longo prazo, sem se deixar levar por volatilidades momentâneas, continua sendo a abordagem mais sábia.

A cautela que o Banco Central demonstra em suas comunicações e decisões deve ser espelhada pelos investidores em suas estratégias. Em tempos de incerteza, quem se prepara para diferentes cenários e mantém a disciplina na execução de sua estratégia tende a colher melhores resultados quando as águas se acalmarem.

Fontes e referências:

Valor Econômico – Mercado vê BC mais cauteloso com incertezas – 21/03/2024
CNN Brasil – Inflação de serviços deve seguir elevada no 1º tri, com atividade aquecida – 18/01/2025
Jornal de Brasília – Ambiente externo está menos favorável para 59% dos economistas consultados pelo BC – 05/02/2025
UOL Economia – Previsão do Focus para Selic no fim de 2025 segue em 15%; 2026 continua em 12,5% – 07/04/2025
CNN Brasil – G20: declaração final reafirma empenho com responsabilidade fiscal e BC independente – 18/11/2024
G1 – FMI reduz projeções para o PIB do Brasil para 2% em 2025 e 2026 – 22/04/2025
IBGE – Alimentos e transportes pressionam e IPCA-15 fica em 0,64% em março – 27/03/2025
InfoMoney – Itaú eleva projeção para Selic em 2025 a 15,75% e não prevê cortes até 2026 – 20/01/2025
Money Times – IPCA-15: Inflação sobe 0,43% em abril e acumula alta de 5,49% em 12 meses – 25/04/2025
CNN Brasil – PT retoma pressão sobre juros em ataques “mais amenos” ao Banco Central – 01/02/2024
UOL Economia – Inflação de serviços sai de 0,78% em janeiro para 0,82% em fevereiro no IPCA – 12/03/2025

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Luiz Eduardo Correa Pinto

Assessor de Investimentos Associado na BLUE3 | XP Investimentos, com mais de duas décadas de experiência em liderança comercial e especialização no setor financeiro. Expertise consolidada em soluções de investimentos, planejamento patrimonial e sucessório para pessoas físicas e jurídicas. Sólida trajetória na Indústria de Pagamentos, incluindo POS, API, câmbio e soluções SAAS. Experiência multicultural em negociações complexas e gestão de relacionamentos estratégicos.

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