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Da busca ao investimento: como o Google Trends revela o comportamento do mercado acionário brasileiro

Com a popularização dos investimentos no Brasil, ferramentas como o Google Trends têm se tornado aliadas valiosas para entender os movimentos do mercado financeiro. O volume de buscas por empresas e seus códigos de negociação (tickers) na internet pode revelar tendências surpreendentes sobre o comportamento dos investidores e, potencialmente, sobre os próximos movimentos do mercado. Este artigo explora como essas buscas digitais têm influenciado o volume de negociações, a volatilidade e as decisões de investimento no mercado acionário brasileiro, oferecendo insights valiosos para quem deseja compreender melhor essa dinâmica fascinante entre o mundo digital e o financeiro.

O poder revelador das pesquisas no Google para o mercado de ações

O Google Trends funciona como um termômetro do interesse coletivo, medindo o volume de buscas por determinados termos em uma escala de 0 a 100, onde 100 representa o pico máximo de popularidade. Para o mercado financeiro, essa ferramenta tem se mostrado surpreendentemente relevante, como demonstram diversos estudos acadêmicos recentes.

Uma pesquisa conduzida por Yoshinaga e Rocco, publicada na Brazilian Business Review, analisou 57 ações do Ibovespa entre 2014 e 2018 e descobriu um padrão interessante: aumentos no volume de buscas no Google (GSV) por determinadas ações eram frequentemente seguidos por menores retornos anormais futuros. Mais surpreendente ainda, esse efeito mostrou-se mais pronunciado nas ações mais negociadas, sugerindo que a maior atenção do investidor individual nem sempre resulta em melhores retornos.

Outro estudo, publicado em 2024, examinou especificamente as três ações de maior peso no Ibovespa: Vale (VALE3), Petrobras (PETR4) e Itaú Unibanco (ITUB4). Os resultados apontaram correlações significativas entre as buscas pelos nomes das empresas e o preço de suas ações: 19% para Vale, 25% para Itaú Unibanco e -38% para Petrobras. Esses números indicam uma relação estatisticamente relevante entre o interesse online e o comportamento do mercado, mesmo considerando outros fatores econômicos influentes.

Para entender melhor essa relação, pesquisadores utilizaram a modelagem de Painel de Vetores Autorregressivos (PVAR) para analisar ações do Ibovespa entre 2015 e 2020. Os resultados revelaram uma relação bidirecional entre o volume de pesquisas e indicadores como desvio padrão dos retornos, volatilidade e volume negociado. Isso sugere que as buscas podem influenciar o mercado e ainda que movimentos significativos no mercado desencadeiam novas ondas de buscas, criando um ciclo de retroalimentação.

Um exemplo concreto desse fenômeno ocorreu em setembro de 2020, quando o interesse pelo termo “Ibovespa” aumentou impressionantes 1.000% em apenas 24 horas após o anúncio do programa Renda Cidadã pelo governo brasileiro. Esse pico de interesse coincidiu com quedas de 2,4% e 1,15% no índice em dois dias consecutivos, ilustrando a conexão entre eventos econômicos, reações do mercado e comportamento de busca online.

O comportamento do investidor brasileiro refletido nas pesquisas digitais

O mercado acionário brasileiro passou por uma transformação significativa nos últimos anos. O número de investidores pessoas físicas na B3 saltou de aproximadamente 800 mil em 2018 para cerca de 6 milhões em 2024. Esse crescimento exponencial trouxe um novo perfil de investidor: mais conectado digitalmente e, muitas vezes, dependente da internet como principal fonte de informação financeira.

As pesquisas no Google frequentemente refletem vieses comportamentais bem documentados em finanças. Quando o mercado sofre quedas significativas, observa-se um aumento de buscas que pode indicar o viés de aversão à perda – onde investidores reagem mais intensamente a perdas do que a ganhos de mesma magnitude. Da mesma forma, o aumento de pesquisas por empresas com grande visibilidade na mídia pode refletir o viés de disponibilidade, no qual as decisões são influenciadas pelo que está mais presente na memória do investidor.

Estudos em finanças comportamentais indicam que as notícias sobre o mercado acionário ocorrem de forma relativamente aleatória, contribuindo para a imprevisibilidade dos preços das ações. Contudo, as reações dos investidores frequentemente não seguem padrões estritamente racionais. Como demonstrado por Bondt & Thaler em pesquisas clássicas, reações exageradas às notícias podem desencadear compras e vendas excessivas, resultando em flutuações extremas nos preços dos ativos.

As buscas no Google funcionam como um indicador do nível de atenção do investidor individual. Um estudo de Latoeiro realizado em 2012 com empresas do índice Euro Stoxx 50 demonstrou que elevados níveis de atenção estão relacionados a maior liquidez no mercado. Mais interessante ainda, esse estudo revelou que as pesquisas online têm poder preditivo: quando aumenta o número de buscas, pode-se antecipar maior volatilidade e volume de negociações, frequentemente resultando em menor rentabilidade futura.

Esse padrão é consistente com os achados para o mercado brasileiro, onde o aumento do volume de buscas no Google foi seguido por retornos anormais menores. Uma possível explicação é que o aumento da atenção de investidores menos experientes pode levar a decisões baseadas mais em emoção do que em análise fundamentalista, criando distorções temporárias nos preços dos ativos.

Eficiência de mercado e o papel da informação digital no contexto brasileiro

A Hipótese de Mercado Eficiente (HME), em sua versão semi-forte, sugere que os preços dos ativos já refletem toda informação publicamente disponível. Os estudos sobre a relação entre buscas no Google e comportamento do mercado brasileiro oferecem perspectivas interessantes sobre essa teoria.

A pesquisa que utilizou modelagem PVAR para analisar ações do Ibovespa entre 2015 e 2020 indica que o mercado brasileiro apresenta certa eficiência, pelo menos em períodos semanais, quando os investidores têm tempo para pesquisar e processar novas informações. O aumento observado no volume de negociações após picos no volume de buscas sugere que os investidores estão absorvendo e reagindo ativamente às informações disponíveis.

Curiosamente, o mesmo estudo observa que o acompanhamento constante de uma empresa não garante maiores retornos no longo prazo. Esse dado reforça indiretamente a versão semi-forte da HME, pois demonstra que o aumento nas negociações nem sempre resulta em alterações significativas nos retornos – um sinal de que as informações públicas já estão incorporadas nos preços dos ativos.

O mercado brasileiro possui características únicas que influenciam essa dinâmica. Com a crescente participação de investidores individuais sem formação especializada em finanças, as buscas online podem refletir mais reações emocionais do que análises fundamentadas. Isso ajudaria a explicar fenômenos como o aumento de 1.000% nas buscas pelo termo “Ibovespa” após o anúncio do programa Renda Cidadã em 2020.

Um estudo que analisou a correlação entre pesquisas no Google e o comportamento do mercado acionário brasileiro de 2012 a 2017 encontrou que 57% das correlações entre buscas por informações sobre empresas e seus dados de negociação eram estatisticamente significativas. Esse percentual considerável sugere que, para muitas empresas brasileiras, existe uma relação relevante entre o interesse online e o comportamento de mercado.

Aplicações práticas e limitações do Google Trends para decisões de investimento

O potencial do Google Trends como ferramenta auxiliar para investidores é evidente, mas é fundamental reconhecer suas limitações. As correlações observadas, embora significativas, são geralmente de magnitude moderada e podem variar consideravelmente entre diferentes empresas e períodos de tempo.

O estudo de Rosa et al. de 2024 conclui que “as informações buscadas pelos investidores no Google, através do nome da empresa, têm uma influência reduzida no movimento dos preços dos ativos, uma vez que diversos fatores, tanto micro quanto macroeconômicos, afetam o mercado acionário”. Essa constatação reforça a necessidade de encarar o Google Trends como uma ferramenta complementar, nunca como substituto de análises fundamentalistas ou técnicas tradicionais.

Para investidores práticos, o Google Trends pode servir como um indicador de sentimento de mercado, potencialmente útil para estratégias contrárias. Se o aumento no volume de buscas tende a ser seguido por retornos anormais menores, como sugerido por Yoshinaga e Rocco, investidores poderiam considerar reduzir exposição a ações que estão experimentando picos incomuns de interesse online.

Pesquisadores estão explorando maneiras de integrar dados do Google Trends com modelos avançados de previsão. Um exemplo é o projeto “Da Busca à Bolsa: Estratégias de Previsão de Mercado com Google Trends e Modelos de Aprendizado de Máquina no Ibovespa”, em execução pelo CEFET-MG. Este projeto busca combinar técnicas de aprendizado de máquina com dados de buscas online para desenvolver modelos preditivos mais precisos para o mercado brasileiro.

Um exercício prático realizado pela Análise Macro em 2022 demonstrou como relacionar as pesquisas pelo termo “Ibovespa” no Google com a cotação mensal do índice. Utilizando o pacote gtrendsR em R, os pesquisadores extraíram dados do Google Trends e os compararam com as cotações obtidas através do Yahoo Finance, demonstrando a viabilidade dessa análise como ferramenta complementar para investidores e analistas.

EmpresaCorrelação entre buscas pelo nome e preço das ações
Vale19% (positiva)
Itaú Unibanco25% (positiva)
Petrobras-38% (negativa)

Fonte: Dados do estudo de Rosa et al., 2024

A análise da relação entre o volume de buscas no Google Trends e o comportamento do mercado acionário brasileiro revela padrões fascinantes sobre como a informação digital influencia as decisões de investimento. As evidências apresentadas indicam correlações significativas entre o interesse online e variáveis como preço, volatilidade e volume de negociação das ações, embora com intensidades diferentes entre empresas.

O padrão observado de que aumentos no volume de buscas frequentemente precedem retornos anormais menores sugere que o Google Trends pode funcionar como um indicador contrário, potencialmente valioso para investidores atentos a sinais de exuberância irracional no mercado. A relação bidirecional entre buscas e atividade de mercado também destaca a complexidade da informação no ecossistema financeiro digital.

Para os milhões de investidores brasileiros, o Google Trends representa uma ferramenta complementar que pode enriquecer o processo de análise. Contudo, é essencial reconhecer suas limitações e integrá-lo a uma estratégia mais ampla, que considere fundamentos, análise técnica e o contexto macroeconômico.

À medida que avançam as pesquisas sobre a integração de dados de buscas com modelos de aprendizado de máquina, novas possibilidades surgem para refinar previsões de mercado. O futuro da análise financeira certamente incorporará uma compreensão cada vez mais sofisticada de como o comportamento online dos investidores reflete e influencia o mercado de capitais brasileiro.

Fontes e referências:

Brazilian Business Review – Atenção do Investidor: O Volume de Buscas no Google é Capaz de Prever os Retornos de Ações? (Yoshinaga e Rocco, 2020)
Análise do Efeito das Pesquisas da Internet via “Google Trends” no Comportamento do Mercado Acionário (Rosa et al., 2024)
Análise Macro – Google Trends e Mercado Financeiro (Fevereiro, 2022)
Revista Eletrônica de Administração – Influência do Google Trends em ações listadas na bolsa de valores brasileira (Dezembro, 2020)
CEFET-MG – Da Busca à Bolsa: Estratégias de Previsão de Mercado com Google Trends e Modelos de Aprendizado de Máquina no Ibovespa (Fevereiro, 2024)
Valor Investe – Ibovespa sobe 1.000%! Mas em interesse no Google nas últimas 24 horas (Setembro, 2020)

DISCLAIMER: As informações contidas neste artigo são de caráter informativo e educacional, elaboradas por profissional certificado como Assessor de Investimentos pela ANCORD, em conformidade com as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
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Investimentos envolvem riscos e podem resultar em perdas patrimoniais. Rentabilidade passada não é garantia de resultados futuros. Os investidores devem estar cientes de que qualquer tipo de investimento contém riscos e não há garantia de retorno ou proteção contra perdas.
Este material não substitui o relacionamento cliente-assessor e as recomendações personalizadas que devem ser feitas considerando o perfil de risco, objetivos e situação financeira individual de cada investidor.
Para informações específicas sobre produtos de investimento, consulte seu assessor de investimentos ou a instituição financeira de sua preferência.

Luiz Eduardo Correa Pinto

Assessor de Investimentos Associado na BLUE3 | XP Investimentos, com mais de duas décadas de experiência em liderança comercial e especialização no setor financeiro. Expertise consolidada em soluções de investimentos, planejamento patrimonial e sucessório para pessoas físicas e jurídicas. Sólida trajetória na Indústria de Pagamentos, incluindo POS, API, câmbio e soluções SAAS. Experiência multicultural em negociações complexas e gestão de relacionamentos estratégicos.

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