A recente escalada nas tensões comerciais entre Estados Unidos e China tem redesenhado o cenário econômico global, criando ondas de impacto que chegam com força ao Brasil. Após o anúncio do presidente americano Donald Trump de aumentar significativamente as tarifas sobre produtos importados, seguido por retaliações chinesas igualmente agressivas, o mundo observa o desenrolar de uma guerra comercial que pode alterar profundamente as relações econômicas internacionais. Para o Brasil, este cenário representa tanto ameaças quanto oportunidades. De um lado, o risco de uma desaceleração econômica global e possível recessão; de outro, a chance de ocupar espaços deixados pelos americanos no mercado chinês, especialmente no agronegócio. Neste artigo, analiso como esta disputa entre as duas maiores economias do mundo pode afetar o Brasil, quais setores podem se beneficiar e quais enfrentarão desafios, além de examinar o posicionamento do governo brasileiro diante deste complexo cenário.

O cenário da guerra comercial e suas implicações globais
A guerra comercial entre Estados Unidos e China atingiu novos patamares em abril de 2025, quando Trump anunciou um aumento generalizado de tarifas sobre produtos importados. Inicialmente, as tarifas variavam de 10% a 50% para todos os países com os quais os EUA mantêm relações comerciais. No entanto, a China se tornou o principal alvo, com tarifas que chegaram a impressionantes 125% após sucessivas rodadas de aumentos e retaliações mútuas.
A cronologia recente mostra a rápida escalada do conflito: em 5 de abril de 2025, os EUA aumentaram as tarifas em 50%, totalizando 104%. Em resposta, a China elevou suas tarifas para 84% em 7 de abril. Dois dias depois, Trump anunciou uma pausa de 90 dias na cobrança de tarifas para países que não retaliaram, excluindo a China, que passou a enfrentar tarifas de 125%. Em 11 de abril, Pequim respondeu elevando suas próprias tarifas sobre produtos americanos para o mesmo patamar de 125%.
Esta disputa tem causado instabilidade nos mercados financeiros globais, com quedas acentuadas nas bolsas e valorização do dólar. Segundo estimativas do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea) da UFMG, a guerra comercial entre os dois países deve provocar uma queda de 0,16% no PIB global, equivalente a aproximadamente US$ 128 bilhões. Essa redução seria resultado de uma contração de 2,81% no comércio mundial, representando perdas de quase US$ 592 bilhões.
O impacto nos preços das commodities já é visível. O barril de petróleo tipo Brent, referência internacional, caiu abaixo de US$ 60, atingindo o menor nível em quatro anos. Em abril de 2025, o Brent já acumulava uma queda de aproximadamente 18%. Outras commodities, como o cobre e o minério de ferro, também registraram quedas significativas.
Para a economia americana, analistas do JP Morgan estimam que o aumento das tarifas pode resultar em um acréscimo de impostos para os consumidores americanos de aproximadamente US$ 860 bilhões antes que ocorram substituições de produtos. Já na China, segundo Victor Shih, diretor do Centro China do Século 21 da Universidade da Califórnia em San Diego, a escala das tarifas pode levar “milhões de pessoas ao desemprego” e causar uma “onda de falências”.
O Brasil na encruzilhada: riscos e oportunidades
Para o Brasil, a guerra comercial apresenta um cenário misto. Por um lado, o país foi incluído na menor taxa adicional de importação pelos EUA, fixada em 10%, o que representa um alívio em comparação a outras nações. Por outro lado, a possibilidade de uma recessão global preocupa o governo brasileiro, principalmente pelo impacto potencial nas exportações de commodities.
Setores potencialmente beneficiados
O agronegócio brasileiro aparece como o principal setor que pode se beneficiar da disputa. O estudo do Nemea indica que, apesar das perdas em outros setores, o Brasil pode observar um pequeno benefício líquido de aproximadamente US$ 350 milhões no PIB, impulsionado principalmente pelo aumento nas exportações de soja para a China.
A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) avalia que as novas tarifas impostas pelos EUA devem redesenhar o cenário global do comércio agrícola, com potenciais benefícios para as exportações brasileiras de soja. As projeções para 2025 indicam um potencial de exportação de até 110 milhões de toneladas de soja, o que representaria um recorde histórico para o país. No primeiro trimestre de 2025, o Brasil já registrou embarques de 26,575 milhões de toneladas, um aumento de 4% sobre o mesmo período do ano anterior.
Além da soja, outros produtos agrícolas brasileiros podem ganhar espaço no mercado chinês. Segundo Maurício Bufon, presidente da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja), “esse mercado vai ter que buscar novos fornecedores e aí é onde entra o Brasil”. Os produtores de milho também estão atentos às oportunidades, com Paulo Bertolini, presidente da Associação de Produtores de Milho e Sorgo, destacando que a safrinha 2025, colhida a partir de julho, pode ser rapidamente escoada devido ao aumento da demanda.
Um precedente histórico reforça essa perspectiva: durante a guerra comercial de 2017, o Brasil ganhou US$ 8,1 bilhões com o aumento das exportações para a China, segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI). As vendas nacionais passaram de US$ 22,589 bilhões em 2017 para US$ 30,706 bilhões no ano seguinte. O maior salto ocorreu com a soja, com um aumento de US$ 7 bilhões. Outros produtos que registraram crescimento expressivo incluíram tabaco para fumar (521%), fígados e ovas (421,6%), milho (376,3%) e lagostas congeladas (327,8%).
Setores potencialmente prejudicados
Por outro lado, a indústria brasileira pode enfrentar desafios significativos. O estudo do Nemea projeta perdas de US$ 3,5 bilhões para o setor industrial brasileiro e US$ 375 milhões para o setor de serviços. A consultoria MB Associados prevê que o aumento das tarifas ampliará as trocas comerciais do Brasil com a China, que já é seu principal parceiro comercial, mas isso pode acentuar a dependência brasileira do mercado chinês.
Um risco adicional é o possível redirecionamento de produtos chineses para o Brasil. Com o mercado americano menos acessível, a China pode buscar escoar seus excedentes para países como o Brasil, potencialmente praticando dumping e prejudicando indústrias locais. Já se observa esse movimento, com fábricas chinesas sendo instaladas no Brasil, como uma gigante de telecomunicações em Manaus.
Setor | Impacto Estimado | Fatores Determinantes |
Soja | +US$ 4,8 bilhões | Aumento da demanda chinesa |
Indústria | -US$ 3,5 bilhões | Competição com produtos chineses |
Serviços | -US$ 375 milhões | Desaceleração econômica global |
Outros Setores Agrícolas | -US$ 587 milhões | Variações nos preços internacionais |
Impacto Líquido no PIB | +US$ 350 milhões | Ganhos com soja superam perdas |
O posicionamento do governo brasileiro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem adotado uma postura crítica em relação à guerra comercial. Durante a cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em Honduras, em 9 de abril de 2025, Lula afirmou que “tarifas arbitrárias desestabilizam a economia internacional e elevam os preços. A história nos ensina que guerras comerciais não têm vencedores”.
Lula também caracterizou o conflito como “uma briga pessoal de Trump com a China” e defendeu o multilateralismo nas negociações comerciais. “É importante que pessoas entendam que não é aceitável a hegemonia de um país, nem militar, nem cultural, nem industrial, tecnológica, sobre os outros. É importante que todo mundo tenha sua soberania respeitada e suas decisões levadas em conta”, declarou o presidente brasileiro.
A equipe econômica do governo brasileiro está atenta aos possíveis impactos da guerra comercial. Por um lado, há preocupação com a possibilidade de uma recessão global e seus efeitos nas exportações brasileiras. Por outro, a queda no preço do petróleo pode trazer alívio para a inflação doméstica, potencialmente influenciando a política monetária do Banco Central.
Analistas acreditam que, com a possibilidade de a economia mundial crescer menos e os preços caírem no exterior, o Banco Central pode decidir encerrar o atual ciclo de alta de juros já na reunião de maio. Antes do agravamento do conflito comercial, o mercado projetava que a Selic subiria para 15% ao ano ou mais. Agora, já há previsões apontando para menos de 15% no fim do ciclo. Na última reunião, a taxa foi elevada para 14,25%, e o BC sinalizou a possibilidade de uma alta adicional de menor intensidade.
Estratégias para o Brasil em um cenário de guerra comercial
Diante deste complexo cenário, especialistas apontam algumas estratégias que o Brasil poderia adotar para maximizar oportunidades e minimizar riscos:
- Diversificação de mercados: Embora a China represente uma oportunidade imediata, o Brasil deve buscar diversificar seus parceiros comerciais para reduzir vulnerabilidades.
- Fortalecimento de alianças estratégicas: A aproximação com os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é vista como uma alternativa para estabelecer parcerias mais estáveis e previsíveis.
- Desenvolvimento de uma política industrial sólida: O economista Fernando Faria defende que o Brasil aproveite a conjuntura para estruturar uma política industrial com financiamento e proteção a setores estratégicos.
- Negociação de condições favoráveis com a China: O Brasil deve buscar acesso à produção chinesa de alta tecnologia em condições de igualdade, evitando uma relação puramente baseada na exportação de commodities.
- Preparação para possíveis efeitos colaterais: O aumento das exportações de produtos agrícolas pode pressionar os preços internos de alimentos, exigindo medidas para garantir o abastecimento doméstico a preços acessíveis.
A guerra comercial entre Estados Unidos e China representa um momento de transformação nas relações econômicas globais, com implicações significativas para o Brasil. Embora o país possa se beneficiar no curto prazo, especialmente no setor agrícola, os riscos de uma desaceleração econômica global e os desafios para a indústria nacional não podem ser ignorados.
O posicionamento do governo brasileiro, crítico às “tarifas arbitrárias” e defensor do multilateralismo, reflete a complexidade da situação. O Brasil se encontra em uma posição delicada, buscando equilibrar suas relações com as duas maiores economias do mundo enquanto tenta proteger seus interesses nacionais.
Para navegar com sucesso neste cenário turbulento, o Brasil precisará de uma estratégia clara e coordenada, que combine a exploração de oportunidades comerciais imediatas com investimentos de longo prazo em competitividade e diversificação econômica. Somente assim o país poderá transformar os desafios da guerra comercial em oportunidades sustentáveis de crescimento e desenvolvimento.
Fontes e referências:
- O Globo, “Guerra comercial entre EUA e China pode frear alta dos juros no Brasil”, 12/04/2025
- Folha BV, “Entenda guerra econômica entre EUA x China e seus impactos”, 11/04/2025
- G1, “Lula critica ‘tarifas arbitrárias’ de Trump”, 09/04/2025
- CNN Brasil, “Lula diz que tarifas desestabilizam economia durante cúpula da Celac”, 09/04/2025
- O Globo, “Guerra comercial é ‘briga pessoal’ de Trump com a China, diz Lula”, 09/04/2025
- BBC, “Tarifas de Trump: Brasil pode sair ganhando com tarifaço dos EUA?”, 07/04/2025
- Brasil de Fato, “Queda para indústria, ganho para soja: estudo mapeia efeitos do tarifaço”, 08/04/2025
- Estadão, “Quais são os principais parceiros comerciais da China?”, 11/04/2025
- CNN Brasil, “Análise: guerra comercial não deve acabar tão cedo após retaliação da China”, 11/04/2025
- UOL, “Guerra comercial entre EUA e China pode favorecer exportação brasileira de soja”, 10/04/2025
- Portal da Indústria, “Brasil ganha US$ 8,1 bilhões com guerra comercial entre China e EUA”, 2017
- O Globo, “Governo brasileiro vê risco de recessão global e possível alívio na inflação”, 09/04/2025
- Band, “Como a guerra comercial entre EUA e China pode beneficiar exportações agrícolas do Brasil”, 09/04/2025
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